Artigo
Amizade em Francis Bacon
Por Paulo Rosa
Sociedade Científica Sigmund Freud, Associação Psicanalítica Argentina
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Falo aqui do crítico e ensaísta inglês e não do homônimo expoente pintor irlandês. Parece mesmo que se chamar Francis Bacon seja algo que predestina o gajo, pois ambos foram muito destacados em atividades tão distantes. O ensaísta inglês, 1561-1626, foi tipo de variadas lides, político, jurista, escritor, dedicando-se a temas distintos, dentre eles a amizade, em seu livro Ensaios de Francis Bacon, Vozes, 2007.
No mais longo dos 59 estudos, Da amizade, ele postula, inicialmente, que a amizade é um contraponto da solidão. Cita ali o ditado: 'quem for encantado com solidão ou é uma besta selvagem ou é um deus' (p.87) explicando-nos que ter qualquer ódio ou aversão à sociedade - tipo genocidas contemporâneos para com yanomamis, por exemplo - é certamente manifestação da besta que nos habita. Já sobre o lado divino, será somente sinal de divindade se o isolamento visa buscar condições para conversações mais elevadas, estas, como se vê, sempre sujeitas a falsificações e fingimentos, questão soez presente em qualquer esquina deste nosso reconstruível Brasil.
A amizade dá frutos e, acredita Mr. Bacon, "o fruto principal da amizade é a facilidade de desabafo pleno das tormentas do coração, que paixões de todos os tipos causam e induzem". Descreve vários remédios para variados males, mas nenhum é mais poderoso para o coração do que um verdadeiro amigo. Reforça seu argumento, expondo que os reis de sua época, cientes do valor desse afeto, imaginavam que poderiam comprar amigos, os quais, obviamente, deram-se mal por traições daí advindas. Júlio César e seu Décimo Bruto, suposto amigo, é exemplo corriqueiro. Mas, nem todos davam com os burros n'água. Tibério César e Sejano foram amigos de verdade e, na época, o Senado romano "dedicou um altar à Amizade" (p.89) homenagem inusitada que faria bem se cultivada por certos políticos de hoje.
Um segundo fruto da amizade seria de que ela é saudável para a compreensão. "...ao comunicar e discursar a outro [amigo]... lança seus pensamentos… vê como ficam quando transformados em palavras… ganha mais sabedoria no diálogo..."(p.91).
Um último resultado seria quando o autor aponta a regra "... um homem não pode bem desempenhar seu papel… se não tiver um amigo, deve deixar o palco" (p.93).
Bacon firma posição radical, como postulando: ou um amigo ou nada. Ele trata de ir adiante do que diziam os antigos: um amigo é um outro eu. Pensa que é bem mais que isso, que ante a morte, os amigos vivos podem ratificar o que pensava o falecido, como que consolidando, ad eternum, seus desígnios e perspectivas. Um amigo pode falar a um amigo "como o caso requer, e não como convém à pessoa" (p.93). Ou seja, a presença da amizade abre caminho a que transitem verdades às vezes duras, mas que sejam escutadas positivamente.
Quem não sabe? De nada adianta vomitar verdades quando elas não podem ser ouvidas.
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